março 10, 2013

Astronauta antigo (Parte 1)




“Sê um homem e não me sigas”
(Friedrich Nietzsche)




Foi um momento único, momento oportuno, dádiva do destino...
... Me chamo Ziggy e acabei de encontrar o filósofo que me guiará.
Mas, ainda tenho dúvidas...
Ele identificará em mim todo o potencial que tenho? Metamorfosearei em evolução plena?
Das espécies... Minha espécie; espero, eu sei que tenho potencial, mas falta-me audácia para causar a sua erupção!
Cumpra-se a missão! Farei o maior show de rock do planeta Terra!

Então, eis que chega a hora da superação... O discípulo vira mestre, mando o filósofo ir embora...
... E lanço toda minha intenção na concepção da semente da virtude!
O universo conspira ao meu favor, adeus mestre!
Sou capaz de encontrar a coragem e a volúpia para dar ao público que me ama tudo o que ele quer!
Tudo o que há em mim em forma de canções; eles sabem que componho e toco com extremo ânimo...
Só assim, reinará em plenitude toda a harmonia de minhas virtudes!
Transbordará discernimento da boca e das mãos... Criarei a personagem máxima!

***

Sim... Foi assim que tudo começou... Me chamo Nosfa# e eu estava presente.
Foi o que nos disse Bowie, em estado de êxtase, erguendo sua taça de vinho... Surgia, naquela noite, Ziggy Stardust diante dos nossos olhos!
Inacreditável... O seu projeto mais ambicioso, sua cartada final para conquistar o mundo.

E, num ataque surpresa as aranhas de Marte invadiram a sala, tornamo-nos presas...
... Delas saiam teias, nelas pernas enormes estendiam-se em nossa direção, queríamos combate-las!
Declaramos guerra, montamos o palco da tragédia, sabendo que teríamos...
... Teríamos que matar um rato em cena, durante toda a temporada.
Sacrifícios de sangue... De ratos... Como nos filmes da Hammer.
E as aranhas serão exterminadas pelo exército de Ziggy Stardust!
Serão muitos, se tornará hábito para nós matar ratos e aranhas no verão!

***

Estamos prontos... O que foi que eu disse?
Nada David, relaxe... Ainda faltam cinco minutos.
É sobre... Sobre... As... As aranhas são de Marte, é isso!
Pennebaker as criou no celeiro de sua lente; flagras instantâneos no ninho-glam-camarim coberto de teias espessas... Aqui elas tentaram botar os seus ovos.
Destruam-nos com chamas... Não as deixaremos espalhar sua espécie pelo planeta!

Olhei para cima, abri o pergaminho, ouvi o público, a sinfonia...
Eis o momento oportuno... Desde quando mandei o filósofo embora!
Agora, sozinho, encontrarei toda a força que há em mim!
Vou rumo ao palco, minha adrenalina transborda em êxtase e redenção!
A juventude só quer a redenção que vem das estrelas... Posso dar isso a elas!
... Somos pó das galáxias, somos os homens das estrelas... Um som de piano...

Só há um camaleão em Hammer Smith e a casa está cheia; desde as 14h00 não param de chegar...
... Lotar nossas fronteiras! Nosso exército está cada vez maior, seremos o maior exército da Terra!
Combateremos e venceremos as invasoras marcianas... Sabemos quais as sequências de acordes que acabam com elas!

Minha mãe teve contato com seres extraterrestres durante a gravidez!
Verdade, pode acreditar... Foi o que  ela me disse várias vezes!
Foram tantas que ela me contava cantando-me uma canção de ninar...
O calor das luzes me tocou... Muitas luzes diretas em sua barriga, cegaram-na!
Agora, busco o foco, olho para a banda, faço um aceno...
... Como uma ópera, o público implora, ouço o clamor, o piano, é Beethoven e sua nona sinfonia...
Ainda estamos em 1972 ou já é 1973?
Angie acaba de ver outro disco voador!

***

O público ovaciona-me, ovacionam Ronson! Sua guitarra ovaciona-os!
Ovacionam-nos, as aranhas de Marte invadem e quase nos tocam!
Mas nós as tocamos com maestria, ferindo-as uma a uma... Antes...
... À tarde, as duas, limousine estaciona, ficará a disposição; lá em baixo, fãs a disposição; no hall de entrada, seus sons chegando...

Sobem os andares do hotel... As aranhas sobem... Aos meus ouvidos, o traço amarelo na capa de Hunky Dory.
O minimalismo de Aladdin Sane; composição suprematista¹, como o Branco sobre branco².
Traço vermelho na face, cortando o branco sobre branco... Alma branca...
... A alma de Ziggy Stardust³... Totalmente branca como a  ruptura de Malevich.
Ouço os gritos do público, capto a eletricidade da banda, sinto a luz me tocar...
Será mesmo verdade que minha mãe viu um disco voador?

Ainda sinto o gosto do vinho, dirijo-me a margem central, sinto o calor...
... Encontro o microfone, inicia-se “Hang on to yourself”, hoje será a última vez dela iniciar algo?
No planeta Terra confirmaremos o nosso juramento interestelar...
É a última noite de combate, acabou-se a missão espacial.
Atenção, cavalheiros... Dêem-me um pouco de sua atenção, levantem-me o seu olhar!
... As aranhas de Marte foram derrotadas! Estamos libertos desse perigo tão surreal.






¹Um movimento iniciado em 1915 por Kasimir Malevich (1878-1935), que transmiria em seus trabalhos o conceito: “a arte pura da pintura”.
As composições baseavam-se no despreso da arte como fantasia. As pinturas representavam a negação e o minimalismo tanto nas formas como nas cores.
²Branco sobre branco (1918) foi uma obra suprematista revolucionária criada por Kasimir Malevich.
³Ziggy Stardust, personagem de David Bowie criado para sua turné do início dos anos 70: “Ziggy Stardust and the spiders from Mars” (1972-1973).
*Baseado em citações de Friedrich Nietzsche.

março 04, 2013

Fitzgerald foi buscar



"Amor, eu entrei no banheiro, olhei no espelho... Peidei."
(Nosfa#)



Num dia qualquer de 2011, as 9h30 no Bistrô Del Monte:

Núbia: Alô, Nosfa#... Vai ter ensaio hoje?
Nosfa#: Sim! As 14h00.
Núbia: Então não vou hoje, estou com diarreia. Inclusive falo contigo do vaso.
Nosfa#: Puts, Núbia Poison! Quem vai desenrolar os meus cabos?
Núbia: Ah, vá se fod3r!

No mesmo dia, à tarde, 14h55:

Nosfa#: Calma Mestre, o Fitzgerald foi buscar, estou com gases, ops... Flato!
Mestre Edu: Eu acabei de vir do banheiro, tô com uma diarreia daquelas...
Rasec Augusto: A Núbia ligou e não vem. Tá com a mesma merda que você.
Mestre Edu: Merda? Que merda? É só água!
Rasec Augusto: Hoje tá complicado...

15h02: Rasec Augusto ligou Nosfa# na energia:

Nosfa#: Nunca tive prisão de ventre! Como é isso?
Mestre Edu: Não é isso. É outra coisa, sua máquina deprimente!
Nosfa#: O que? Vocês é que estão falando!
Mestre Edu: Falando de merda! Diarreia! Não é prisão de ventre, porr@!
Nosfa#: Então, o que é isso?
Rasec Augusto: É merda que não acaba mais! Merda líquida!
Mestre Edu: Você é uma máquina e não caga!
Nosfa#: E isso é bom?
Mestre Edu: Vá se fod3r, Nosfa#!

15h05: Depois de algumas risadas:

Rasec Augusto: Ontem o Jhunnyor veio aqui e cagou. Todo mundo que vem aqui quer cagar! Não entendo esses caras...
Mestre Edu: Sério? Ontem mesmo ele me disse que estava com cólicas... Não conseguia ir ao banheiro há dias...
Rasec Augusto: Pois é, veio aqui e cagou.

15h12, no BCB, com todos os instrumentos ligados:

Mestre Edu: Como é? Vamos ensaiar, criar umas letras... Ou vamos ficar falando de merda?
Rasec Augusto: Eu quero cantar!
Rasec Augusto: Cantar até arrebentarem minhas cordas vocais...­ ­Aí sim pararei de gritar meus gritos sujos pelo mundo­!
Mestre Edu: E o Fitzgerald... Foi buscar mesmo?
Rasec Augusto: Foi, mas só volta quando a madrugada vier...
Mestre Edu: E agora?
Nosfa#: Buscar o quê?
 Rasec Augusto: Quero cantar! Dê-me o microfone!
Marciano: Rasec, fala sério, você nunca cantou porr@ nenhuma!
Rasec Augusto: É mesmo, tô só tirando onda...

15h18, ambiente pesado, ninguém respira:

Mestre Edu: Hum... Flatos!
Marciano: Para de poluir... Merda!
Marciano: Vou ter que cantar como um grilo, esfregando as pernas!
Rasec Augusto: Não consigo respirar...
Nosfa#: A coisa tá feia hoje!

15h20, abriram a porta, o ar correu pelo ambiente:

Mestre Edu: Daqui a pouco só restarão larvas e ervas...­
Nosfa#: E as larvas gritarão por ti, mas só os cachorros ouvirão.
Mestre Edu: Que as larvas lambam a guitarra do Rasec!
Rasec Augusto: Ao roerem meus ossos, surgirá um novo tipo de som­. O som do ruído das larvas roendo meus ossos...­
Mestre Edu: Eu disse lamber, não roer...
Rasec Augusto: Lindo! Já estou imaginando as larvas me roerem...
Nosfa#: Estou chorando!
Rasec Augusto: Máquinas não choram...
Mestre Edu: Épico!
Rasec Augusto: Lírico!

15h22, o tempo ficou abafado:

Mestre Edu: Mudando de assunto, o Marcondes morreu mesmo?
Rasec Augusto: Morreu de cólera!
Mestre Edu: Credo!
Rasec Augusto: Pois é!
Mestre Edu: Pobre Marcondes, que Deus o tenha!
Nosfa#: O advogado publicitário?
Rasec Augusto: Pois é.
Nosfa#: Da onde você conhecia o Marcondes?
Rasec Augusto:  Cursou faculdade na minha época... Bebíamos muito juntos em botequinhos fedorentos...
Rasec Augusto: Os copos então... Muito fedorentos!
Mestre Edu:  Nobre, eu li o conto sobre o Marcondes que você escreveu... Foi escrito num tom tão intimista que me senti amigo do Marcondes também.
Rasec Augusto: Você iria gostar dele, o cara era fera! Tocava gaita em ‘Dó’
Nosfa#: Falando em gaita, cadê o James?

15h26, o telefone do Mestre Edu toca:

Marciano: Alô, Mestre, já começou o ensaio?
Mestre Edu: Nada, só deu merda hoje.
Mestre Edu: Você tá atrasado!
Marciano: Cara, tô com uma diarreia daquelas! Diarreia não... Tarderreia, noiterreia, madrugadarreia... Desde ontem, brother!
Mestre Edu: C@raio! Sujou o trampo, hoje vai ser só merda!
Marciano: Desculpa aí... Hoje, só amanhã!
Mestre Edu: Não se esqueça de beber bastante água.
Marciano: Água? Só com gás.

15h52, dlin, dlon... A campainha toca. O Fitzgerald chegou...

Rasec Augusto: Vixi, o Fitzgerald chegou! Mestre atende lá...
Mestre Edu: Não dá não, vou ter que ir ao banheiro de novo!
Rasec Augusto: Peraí que eu vou primeiro, não dá para segurar não, meu irmão!
Mestre Edu: Meu Deus!
Nosfa#: Eu atendo, calma rapaziada. Solta o fio, dá a grana que eu volto já.
Rasec Augusto: Toma Nosfa#, e vê se não enrola!




Texto de Núbia Poison.
Núbia Poison: Roadie, backing vocal e  repórter das publicações Retinas News.
Qualquer semelhança com a coincidência é mera realidade.