fevereiro 01, 2011

Entrevista com Fernando Sabino


Se meus olhos estão abertos para a literatura cotidiana foi por causa do senhor Fernando Sabino

Eu, a repórter Núbia Poison, começo nosso bate-papo lhe indagando:

O senhor nunca levou nada em brincadeira?

... Hum, senhorita; isso só quando eu era criança

Naquela época eu levava minhas brincadeiras muito a sério



Como o senhor desenvolveu a capacidade de escrever todas aquelas confusões que nutrem seus contos?

Vivendo e prestando atenção a todos os equívocos, dinamizando os impasses cotidianos e, acho que, maximizando inesperados mal-entendidos



Boa resposta Sr. Sabino...

Me chame de Fernando, garota!

Assim, sinto-me mais jovem

Afinal, um jovem dispensa toda e qualquer formalidade



Fernando, como um senhor maduro faz para se sentir jovem no meio literário?

É fácil... Todos os dias encontro-me com o jovem que fui um dia

Então, lhe estendo a mão e, quando ele a toca, percebo que continuo acreditando nos mesmos ideais até hoje

Mateus, o profeta nos ensinou:

“Quem se fizer pequeno como um menino, será grande no reino dos céus”



Como o senhor, digo, como você percebe a juventude atual?

Há muitas correntes de jovens “funcionando”

Vejo jovens que se perdem nas drogas e só querem shows e festas

Outros que só pensam em futebol e peneiras

Têm também os ociosos apreciadores de tecnologias

Mas, encontro pessoas como você que faz entrevistas e escreve poemas

Creio que a maior dificuldade do jovem enquanto “uno” é canalizar todo o seu potencial numa coisa que ele realmente acredita

Uso o termo “uno”, pois, quando se fala de jovens e juventude o assunto tende a se expandir para a coletividade

Mas, cada jovem é um universo em expansão e, se somente olharmos para o todo, para o contingente, nunca veremos o brilho individual de cada ser

O próprio mundo é, de certo modo, cruel com o jovem



Em seu livro: “O Tabuleiro de Damas” você inicia-o afirmando:

“Escrevo porque não tenho olhos verdes...”

Se Fernando Sabino tivesse olhos verdes, ao invés de escritor o que ele seria?

Ah, com certeza músico de Jazz

Porque músico?

Porque a frustração do escritor vem de seu trabalho ser um ato solitário

Ele se encerra em si mesmo e, até passa a amá-lo como um rito antropofágico e trágico

Meu amigo Otto Lara Resende dizia que um escritor não costuma ler outros escritores, e isso, de certa forma, é uma pena para todos nós...



Já uma banda cria em coletividade e compartilha a arte de maneira democrática envolvendo a totalidade dos seres capazes

Isso é amor universal, garota...

Na criação ou execução de uma música, vários participam e é tão lindo compartilhar!

É amor em plenitude...

E não se pode fazer amor sem pelo menos duas pessoas!

Isso é tão trágico para um escritor...

... Afinal, não há ato mais solitário do que conceber um livro, um conto, uma crônica ou artigo

Assim é e assim sempre será...



Nossa... Fernando, foram intensas suas palavras

Fiquei emocionada com seu ponto de vista sobre a criação

Você citou Otto Lara Resende, nessa entrevista

Qual outro escritor você aprecia?

Desde que a conheci, fiquei encantado com Clarice Lispector

Foi Lucio Cardoso quem me apresentou o livro “Perto do coração selvagem” logo que foi lançado e fiquei deslumbrado com sua força e convicção

Tornamo-nos grandes amigos e trocávamos várias idéias sobre tudo



Ah, Clarice, minha grande escritora, minha musa!

Fiz uma entrevista com ela, há tempos atrás e fiquei encantada com aquela personalidade

Como disse a ela na ocasião:

“Não era uma entrevistadora diante do entrevistado, mas um fã interagindo com seu ídolo”

Foi lindo e inesquecível para mim, Fernando



Que bom garota, que bom...



Para terminar, qual livro, dentre tantos que escreveu, você mais aprecia?

Obviamente gosto de “O encontro marcado”, pois foi um relato autobiográfico de excelente aceitação no mercado

Divido minha carreira em, “antes e depois” do Encontro Marcado

Mas, não posso deixar de citar: “O menino no Espelho”

Há naquele livro, fantasias mirabolantes do menino Fernando

Aliás, sabia que, quando criança, ensinei uma galinha a falar?

Sabia sim, e ela se chamava Fernanda, não é mesmo?

Isso garota, você leu o livro...



Diga-me, qual livro meu você mais gostou de ler...

... “O Grande Mentecapto”, sem dúvida

Adorei aquelas hilárias e dramáticas desventuras de Geraldo Viramundo

É moça, aquele romance levou trinta e três anos para ser escrito...

... Foi minha mulher, Lygia Marina, que no final dos anos 70 me incentivou a retomar uma obra que eu havia iniciado em 1946 e ficou guardada dentro de mim por tanto tempo...

O importante é que, finalizando-o, você retomou a vocação de romancista...

... É, de certa forma, sim!



Vamos encerrar por aqui, senhor Sabino

Quer deixar uma mensagem para os leitores das Publicações Retinas News?

Uma mensagem...

... Bem, um escritor não é dono da verdade e nem sempre escreve o que gostaria, mas algo o impele àquilo

Isso é tão estranho!

Para mim, um verdadeiro enigma...

Então, não vejam novelas, leiam

Leiam os clássicos...

Leiam Guy de Maupassant e Flaubert no original, conheçam a poesia de Willian Blake, leiam Dostoiévski...

Leiam Vinícius de Moraes e leiam Clarice Lispector

Creio que só a literatura universal pode preencher o vazio que assola a humanidade



Obrigado pelas dicas, Fernando

De nada minha cara, foi um prazer...



*Fernando Sabino, nascido: Fernando Tavares Sabino (Belo Horizonte, 12 de outubro de 1923 — Rio de Janeiro, 11 de outubro de 2004) foi escritor, jornalista e nas horas vagas, baterista de Jazz


*Entrevista concedida a repórter Núbia Poison na praia de Copacabana no Rio de Janeiro


*Núbia Poison, integrante virtual e roadie dos Retinas Queimadas é jornalista das publicações Retinas News.


*Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência.