Se meus olhos estão abertos para a literatura cotidiana foi por causa do senhor Fernando Sabino
Eu, a repórter Núbia Poison, começo nosso bate-papo lhe indagando:
O senhor nunca levou nada em brincadeira?
... Hum, senhorita; isso só quando eu era criança
Naquela época eu levava minhas brincadeiras muito a sério
Como o senhor desenvolveu a capacidade de escrever todas aquelas confusões que nutrem seus contos?
Vivendo e prestando atenção a todos os equívocos, dinamizando os impasses cotidianos e, acho que, maximizando inesperados mal-entendidos
Boa resposta Sr. Sabino...
Me chame de Fernando, garota!
Assim, sinto-me mais jovem
Afinal, um jovem dispensa toda e qualquer formalidade
Fernando, como um senhor maduro faz para se sentir jovem no meio literário?
É fácil... Todos os dias encontro-me com o jovem que fui um dia
Então, lhe estendo a mão e, quando ele a toca, percebo que continuo acreditando nos mesmos ideais até hoje
Mateus, o profeta nos ensinou:
“Quem se fizer pequeno como um menino, será grande no reino dos céus”
Como o senhor, digo, como você percebe a juventude atual?
Há muitas correntes de jovens “funcionando”
Vejo jovens que se perdem nas drogas e só querem shows e festas
Outros que só pensam em futebol e peneiras
Têm também os ociosos apreciadores de tecnologias
Mas, encontro pessoas como você que faz entrevistas e escreve poemas
Creio que a maior dificuldade do jovem enquanto “uno” é canalizar todo o seu potencial numa coisa que ele realmente acredita
Uso o termo “uno”, pois, quando se fala de jovens e juventude o assunto tende a se expandir para a coletividade
Mas, cada jovem é um universo em expansão e, se somente olharmos para o todo, para o contingente, nunca veremos o brilho individual de cada ser
O próprio mundo é, de certo modo, cruel com o jovem
Em seu livro: “O Tabuleiro de Damas” você inicia-o afirmando:
“Escrevo porque não tenho olhos verdes...”
Se Fernando Sabino tivesse olhos verdes, ao invés de escritor o que ele seria?
Ah, com certeza músico de Jazz
Porque músico?
Porque a frustração do escritor vem de seu trabalho ser um ato solitário
Ele se encerra em si mesmo e, até passa a amá-lo como um rito antropofágico e trágico
Meu amigo Otto Lara Resende dizia que um escritor não costuma ler outros escritores, e isso, de certa forma, é uma pena para todos nós...
Já uma banda cria em coletividade e compartilha a arte de maneira democrática envolvendo a totalidade dos seres capazes
Isso é amor universal, garota...
Na criação ou execução de uma música, vários participam e é tão lindo compartilhar!
É amor em plenitude...
E não se pode fazer amor sem pelo menos duas pessoas!
Isso é tão trágico para um escritor...
... Afinal, não há ato mais solitário do que conceber um livro, um conto, uma crônica ou artigo
Assim é e assim sempre será...
Nossa... Fernando, foram intensas suas palavras
Fiquei emocionada com seu ponto de vista sobre a criação
Você citou Otto Lara Resende, nessa entrevista
Qual outro escritor você aprecia?
Desde que a conheci, fiquei encantado com Clarice Lispector
Foi Lucio Cardoso quem me apresentou o livro “Perto do coração selvagem” logo que foi lançado e fiquei deslumbrado com sua força e convicção
Tornamo-nos grandes amigos e trocávamos várias idéias sobre tudo
Ah, Clarice, minha grande escritora, minha musa!
Fiz uma entrevista com ela, há tempos atrás e fiquei encantada com aquela personalidade
Como disse a ela na ocasião:
“Não era uma entrevistadora diante do entrevistado, mas um fã interagindo com seu ídolo”
Foi lindo e inesquecível para mim, Fernando
Que bom garota, que bom...
Para terminar, qual livro, dentre tantos que escreveu, você mais aprecia?
Obviamente gosto de “O encontro marcado”, pois foi um relato autobiográfico de excelente aceitação no mercado
Divido minha carreira em, “antes e depois” do Encontro Marcado
Mas, não posso deixar de citar: “O menino no Espelho”
Há naquele livro, fantasias mirabolantes do menino Fernando
Aliás, sabia que, quando criança, ensinei uma galinha a falar?
Sabia sim, e ela se chamava Fernanda, não é mesmo?
Isso garota, você leu o livro...
Diga-me, qual livro meu você mais gostou de ler...
... “O Grande Mentecapto”, sem dúvida
Adorei aquelas hilárias e dramáticas desventuras de Geraldo Viramundo
É moça, aquele romance levou trinta e três anos para ser escrito...
... Foi minha mulher, Lygia Marina, que no final dos anos 70 me incentivou a retomar uma obra que eu havia iniciado em 1946 e ficou guardada dentro de mim por tanto tempo...
O importante é que, finalizando-o, você retomou a vocação de romancista...
... É, de certa forma, sim!
Vamos encerrar por aqui, senhor Sabino
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Uma mensagem...
... Bem, um escritor não é dono da verdade e nem sempre escreve o que gostaria, mas algo o impele àquilo
Isso é tão estranho!
Para mim, um verdadeiro enigma...
Então, não vejam novelas, leiam
Leiam os clássicos...
Leiam Guy de Maupassant e Flaubert no original, conheçam a poesia de Willian Blake, leiam Dostoiévski...
Leiam Vinícius de Moraes e leiam Clarice Lispector
Creio que só a literatura universal pode preencher o vazio que assola a humanidade
Obrigado pelas dicas, Fernando
De nada minha cara, foi um prazer...
*Fernando Sabino, nascido: Fernando Tavares Sabino (Belo Horizonte, 12 de outubro de 1923 — Rio de Janeiro, 11 de outubro de 2004) foi escritor, jornalista e nas horas vagas, baterista de Jazz
*Entrevista concedida a repórter Núbia Poison na praia de Copacabana no Rio de Janeiro
*Núbia Poison, integrante virtual e roadie dos Retinas Queimadas é jornalista das publicações Retinas News.
*Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência.